segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O deus.



“Era noite. Fátima, já no seu nono mês de gestação, contempla as estrelas na varanda de casa. Ela contou: haviam sete. Uma, a mais brilhante, cai do céu e Fátima sente a primeira contração. Sim, a estrela mais brilhante cai no sertão e cede espaço para uma ainda mais forte e vigorosa. Um deus vem ao mundo.”

Nossa história começa em Belém. Não...! Não a Belém que todos conhecem. Essa Belém é “Belém do passa quatro”, interior do Brasil.

Todos dançam alegremente comemorando a chegada do menino. Sua mãe, Fátima, não recebeu o anuncio de gravidez através de um anjo, muito pelo contrário, descobriu que estava grávida sozinha. E também não contou com a ajuda de um anjo para contar ao seu marido, contou sozinha. E este, deu no pé e a deixou... sozinha.

Talvez a única coisa que temos nessa história que pode ser comparada a outra seja a estrela. Essa não mostrou o caminho, apenas caiu e um bebê nasceu.

Aquele povo de Belém, acostumado com a tristeza e com as promessas de uma vida melhor jamais esquece o ocorrido. Uma noite linda, para ficar na história. Todo o vilarejo se cobriu de flores que caiam de todas as partes e, na casa de Fátima, luzes dançavam alegremente. Foi então que três sertanejos apareceram para contemplar o menino e um deles disse:

- Esse não é um menino comum. Ele veio ao mundo com a missão de fazer a todos felizes. Ele veio com o dom do sorriso!

Ronaldo foi o nome escolhido para ele. O nome que pertenceu ao seu avô e ao seu pai.

A partir daquele dia, sorrisos tomavam conta dos rostos de todos. Não havia mais seca e nem tristeza naquele lugar.

Era impressionante, mas o menino brilhava. Era um brilho único, brilho de estrela. E desde pequeno, Ronaldo gostava de contar histórias, imitar as pessoas do vilarejo, se enfeitar, pintar a cara e fazer rir. Esse dom de transformação era admirável.

A felicidade perdurou naquele lugar por mais de vinte anos.

Mas, um deus não vem ao mundo para servir a um só povo e as angustias de Ronaldo começaram a aparecer ainda na adolescência e se fortaleceram conforme a maturidade ia chegando. A vontade de ser bem maior do que poderia era gritante.

Sua mãe não entendia, afinal, o que podia faltar a um menino que nasceu abençoado e com um dom capaz de modificar todo um lugar?

Ele também não entendia e foi por isso que naquela tarde, resolveu subir ao monte para pensar. Foi então, que lhe apareceu a figura de um palhaço.

- Ei! Onde está o sorriso do deus da alegria? - disse o velho palhaço olhando-o nos olhos.

- Esta lá. Estampado na cara de todos.- ele falou, deixando que uma pequena lágrima caísse.

O palhaço a segurou antes da mesma chegar ao chão.

- Guarde-a! Deixe para usá-la no momento que mais precisar. Quando ela for realmente necessária. E olha que talvez nem seja você quem a use.

- Como assim?

- Cada coisa que habita em você, pertence a um ser que também habita o mesmo espaço. Você tem milhares de criaturas habitando o seu interior rapaz. Poderíamos chamá-los de personagens. São inúmeros.

- E são grandes?

- Você os faz se tornarem grandes ou pequenos. Você tem esse poder. Veja!

O velho palhaço tira de uma bolsa de retalhos uma pequena caixa, que, ao abrir, se transforma em um pequeno palco.

- Eu conheço esse lugar. Já sonhei com ele. – disse Ronaldo com os olhos brilhantes.

- Sim. Esse é o seu verdadeiro lar. É aqui, onde todos os seus “eus” irão se encontrar. E você acha que todos que estão ali naquela vila já viram tudo, já sorriam e já te amaram o suficiente? Não rapaz... há muito ainda a se descobrir. Por mais que seja duvidosa a caminhada e por mais que o caminho a seguir não seja fácil, você tem uma missão e deve cumpri-la. Uma estátua de pedra te espera de braços abertos e você deve ir ao seu encontro.

- Mas... e minha mãe? E todos?

- Não há como fugir de quem você é rapaz. Não há como fugir de sua verdadeira missão. Aqui você nasceu, mas o seu destino está bem longe desse lugar. Você nasceu para levar alegria para todos os povos. Para ser grande, tão grande, que todos, em todos os lugares, poderão te ver. Toma!

O palhaço retira seu nariz e o entrega.

- Quando precisar, é só usá-la. Essa é menor máscara do mundo, mas que se torna grande através da mágica que provoca nas pessoas. Agora, olhe para frente. Vê o sol? É pra lá que deve seguir.

O velho palhaço sumiu sem que Ronaldo percebesse. Os seus olhos estavam ali, focados no sol.

O sino da igreja badalou três vezes. Fátima, da janela de casa, viu o filho, montado em um cavalo branco, se despedir de toda a população. Por mais que ela não entendesse, sabia que não criara o filho para viver apenas naquele lugar. No seu olhar marejado, esperança de felicidade para seu tão querido filho.

As flores que cobriram a vila no dia do seu nascimento, voltaram a cair.

A silhueta do rapaz em seu cavalo foi sumindo dos olhares de adeus de todos ali presentes. Daquele momento em diante, uma nova história começa na vida daquele jovem deus. A partir de agora, sua história passará a ser contada através de cada aplauso recebido.

Evoé!



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