segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A dança dos quatro ventos. Capítulo I - Colhedor de histórias.



O céu estava repleto de nuvens cinzas, como sempre. Os quatro ventos eram fortes, intensos, como sempre. E era bem ali, onde as quatro estradas se encontravam, que Gaudêncio costumava ficar. No olho do furacão.

Ele sentava-se e admirava os ventos do sul, do norte, do leste e do oeste, dançando a melodia descompassada, repleta de uivos e poeira.

A garrafa, fortemente segura em sua mão esquerda, ainda se encontrava fechada. Havia a hora exata para abri-la.

O que será que os ventos teriam para contar? Quantas histórias, quantas almas viriam com eles?

A silhueta de quatro deuses aparece dançando a ciranda e, é justamente nessa hora, que ele se coloca no meio da roda e abre sua garrafa.

Um grande redemoinho se forma e, domado de uma forma inexplicável, o vento entra na garrafa. Eis mais uma história.

#---------------------#------------------------#-----------------------#------------------------------#

Gaudêncio tem 30 anos e desde pequeno, ouve seu avô dizer que costuma colher ventos. Aos 12, foi levado por ele ao centro de tudo, uma estrada comum que, em um dia especial, na 2ª segunda-feira do mês, quando as nuvens cobrem o sol e tomam conta do céu, ela se divide em quatro. São quatro destinos diferentes. Nesse dia, pode-se ver viajantes de todos os lugares do mundo, seguindo em cortejo para o lugar onde vão todas as almas. Cada alma que passa, conta histórias que os ventos embalam e transformam em música. E são essas músicas que os quatro ventos dançam.

Seu avô era tido como louco por todos, que diziam que isso era impossível. Ele mesmo, já levou muita gente na estrada, mas ninguém pôde ver nada. Gaudêncio, como grande herdeiro, só não via como também aprendeu a colher vento e ouvir as histórias das almas.

Ele estava lá quando a alma de seu pai seguiu para a estrada que dava pro Norte. Foi ele quem indicou a direção também para alma da sua mãe encontrar a do seu pai. E, há pouco tempo, a do seu avô seguiu para o leste, onde vão as almas mais velhas.

Contando com a última que pegou, já são cinqüenta e sete garrafas, enfileiradas em estantes no quartinho dos fundos, feito de taipa, construído por seu avô. Antes dessas cinqüenta e sete, já passaram por lá mais de mil. Mas, sempre que seu avô ouvia a história dos ventos, ele os libertava no monte das árvores secas, a poucos metros de sua cabana.

Todas as histórias que ouve, estão escritas em um caderno velho que Gaudêncio ganhou do seu avô. Um caderno tão velho quanto ele. E enorme, com tantas folhas impossíveis de contar.

Em busca de uma nova história, lá foi ele mais uma vez colher vento. Pegou o seu cavalo e com a garrafa presa na cintura, correu para o meio do redemoinho.

Os uivos começaram devagar, como sempre. Almas começam a viajar por entre as estradas e a dança começa a tomar passo. Mas eis, que no meio daquela ventania, uma silhueta lhe chama a atenção. Cabelos negros voam pelo espaço. Um vestido vermelho dança. Seria ela mais uma alma? Que história teria para contar?

Aos poucos ele vai se aproximando. Uma mulher branca, de cabelos negros e vestido vermelho dança no meio dos quatro ventos. E em sua mão, uma garrafa.

Continua...

Um comentário:

  1. Lindoooo de mais! Sensível e detalhista como sempre! Nos transporta para dentro do conto! Simplesmente incrível Elmo! Parabéns!

    ResponderExcluir