quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ruas- Poetas esquecidos- Parte II

Ao colocá-la no chão, os dois se olham por um tempo.
         CHICO-        Ta com fome?
         ROSA-         Não. Você tá?
         CHICO-        Não.
ROSA-         Você ta sim Chico. Seu olho não mente. Seu corpo não     mente. Tenta ver se consegue algumas moedas no sinal. Explica nossa situação. Alguém deve ajudar. Ontem consegui três reais, hoje que a maré não tá muito pra peixe.
CHICO-        Essa noite sonhei com a mãe. Ela tava usando aquele vestido...de rosas coloridas.
ROSA-         (abre a sacola de plástico cheia de tecidos velhos, tira de lá, um vestido amarrotado). – Esse? Pegamos sem que ela soubesse pra fazer a peça...
CHICO-        Como será que ela tá?
ROSA-         (olhando para Lua)- Cansada...com fome...
LUA-           (levanta, olha os dois. Olha para as flores, ranca uma pétala. Come.)  - De fome não vamos morrer...nunca!
ROSA-         Fechou. Você vai?
CHICO-        Não...
ROSA-         Vai lá...explica nossa situação. Pede por favor, pelo amor de Deus. Fala que estamos aqui a mais de quatro meses, que não temos abrigo, que temos que comer restos. Que muitas vezes reviramos lata de lixo pra ter o que comer...
CHICO-        (cortando, alto)- Não! Não vou. Não vou, ouviu? Se quer vá você mesma. Passo dias e dias nessa merda desse sinal, embaixo de sol quente, de chuva grossa, e nada acontece. Não vê que nada acontece? A fome vem, a força vai, os sonhos morrem, a esperança...
LUA-           E a arte?
CHICO-        A arte? Que arte?
LUA-           A arte de sobreviver a cada dia.
CHICO-        Foi ela que nos trouxe pra essa cidade...
ROSA-         A gente comia arte... Mas, infelizmente, é uma comida que nos saciou por um tempo, mas hoje, mal dá para enganar o estomago.
CHICO-        E de pensar que algum dia alguém disse que a Arte é pra comer. Hoje, eu acho que é para morrer...de fome.
ROSA-         Vou lá. Alguém vai ajudar.
LUA-           Cê ainda acha?
ROSA-         E fazer o quê?

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