domingo, 6 de maio de 2012

A montanha.




Naquela noite chuvosa, o silencio predominava na casa dela. Percorrendo os corredores, apenas  velas acesas e as sombras espectrais. O silêncio foi cortado por pequenos sussurros vindo de dentro do armário. Ela estava sentada, debruçada. Aquele era seu lugar preferido desde que foi para aquela casa. Era lá que ela esperava a raiva passar, que reclamava de tudo e  que conversava com seu amigo imaginário. Um dia, acreditou ter visto uma luz, o que julgou  ser uma pequena fada. Besteira,ela não acredita em  fadas. Ela não acreditava em nada.
Quando saiu, não viu nada. Passou pelo corredor dos espíritos. Ela assim o chamava, devido as sombras das esculturas refletidas pela luz das velas a noite, o que dava uma sensação de terror indescritível a ela. Percebendo que seu vestido branco estava manchado de sangue e que estava descalça, se confortou, afinal, depois de tudo que lhe acontecera desde o começo da noite, calçar os sapatos definitivamente não era de grande importância.
Ela procurou por todos, gritou, não obteve respostas.
Ela entrou nos quartos, foi até a sala . Nada. Apenas o silencio.
De repente, um forte vento entrou pela janela da sala e como uma correnteza, percorreu os corredores, apagando as velas. Escuridão, Ela gritou. Um grito de susto, de horror, não se sabe. O que parecia ruim, agora se tornara pior. Ela apenas ouvia o seu coração, batendo tão forte, como ela jamais tinha visto. Ela procurou se apegar as coisas que estavam próximas, tentando se localizar. Foi quando ela sentiu aquela mão gelada no seu tornozelo. Ela gritou, chutou e correu. Seja lá de quem era aquela mão, era pegajosa.
Agora, ela corria, sem olhar pra trás. E enquanto corria, chorava. E enquanto chorava, pensava.
Naquele início de noite, a lua estava escondida por nuvens feias e os pássaros voavam baixo. Aquela mulher, que ela não sabia ser ou não  sua mãe estava preparando o jantar e seu pai, que ela também duvidava ser,  tocava o piano. Ela brincava com seu amigo imaginário no balanço, que ficava na única árvore daquela montanha onde morava. Ela não se lembrava como eles foram morar ali, apenas, que nunca recebiam ninguém e que nunca lembrou de conhecer alguém além do seu amigo imaginário.
Ela não acreditava pertencer aquele lar e também nunca se sentiu filha dos seus pais. Algo neles a incomodava, ela não conseguia ama-los. Sua mãe era alta e magra, seu pai também. Ela chorava todos os dias. Não gostava mesmo deles, nem da casa, nem da montanha. Apenas do seu amigo imaginário, que era o único que ela conversava e era o único que a entendia. Todos os dias, ela só saia do sótão para comer. Ficava no armário, com ele. Seus pais achavam estranho, mas não ligavam. Pelo menos dentro do armário, ela não ficava sentada na cadeira no canto da cozinha olhando para eles com aquele olhar de ódio que ela tinha.
Ela dificilmente falava. Só com seu amigo.
Ela empurrava o balanço e se divertia com as gargalhadas dele. Ele parecia voar. Ele era um menino muito bonito, o mais bonito que ela já viu. E também o único. Ela sentiu uma gota d’agua cair sobre seu rosto, começara a chover. Ela não se importou, gostava de brincar na chuva. Seus pais não se importavam se ela pegaria um resfriado. Eles não se importavam com ela, a estranha.
Ele não quis mais brincar, pediu para entrarem. Ele não gostava de chuva.
Ela entrou, molhando o assoalho. Sua mãe brigou e disse que ela entrasse pelo fundo. Ela, de pirraça, se sacudiu, molhando ainda mais o assoalho. Não sabia por que, mais gostava de ver a cara de raiva da sua mãe. Gostava de vê-la triste. Sentia  prazer em irrita-la. Sua mãe lhe falou que ela era uma péssima filha e que era por isso que ninguém gostava dela. Seu pai levantou e perguntou o que havia acontecido e após a explicação da sua mãe, tirou o cinto e bateu nela. Ela ria, gostava de apanhar, de sentir dor. Maior do que a dor de apanhar, era o prazer de provocar raiva neles.
Seu amigo imaginário apenas observava e dizia para ela continuar rindo, porque assim, eles iriam ficar ainda com mais raiva dela.
Naquele momento, seu amigo tocou seu rosto. E então, ela não lembra mais de nada, apenas que estava a pouco chorando no armário.
Ela correu, até que chegou ao fim da montanha, no precipício. Ela olhou para baixo e viu como era lindo o vale cinza. Assim ela chamava o rochedo que avistava.
Ela não viu seu amigo desde então. Até que ele lhe apareceu. Ela perguntou se ele tinha visto seus pais e ele, disse que eles estavam na casa, refletidos na parede pela sombra das velas. Ele disse que queria ensiná-la a voar. Então, pegou em sua mão e juntos pularam. No ar, ele soltou sua mão e pediu para que ela abrisse os braços. Ela fechou os olhos. Uma imagem veio a sua cabeça. Uma menina, sendo  entregue a seus pais por dois homens vestidos de branco e de sua mãe dizendo que era melhor ir embora para um lugar distante, antes que ela fizesse mal a mais alguém.
A menina abriu os olhos, seu amigo já não estava mais com ela. O rochedo se aproximava. Ela viu uma luz. Seria uma fada? Ela não acreditava em fadas, ela não acreditava em nada.

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