segunda-feira, 8 de agosto de 2011

o Antipático

                                                                      *conto que faz parte do livro: Pequenas mentiras cotidianas.

Vou ao Café todos os dias sozinho. Sento.A atendente ,que jura que eu gosto dela, me atende com aquele sorriso. Aquele, que é o mesmo de todas as outras atendentes, do caixa e de todos aqui. Afinal, sorrir é orientação da gerência e deve ser seguida a risca, sob pena de chorar de tristeza ao perder o emprego. Eu também sorrio para ela, para ser educado, mas por dentro quero que ela e todos vão a merda. Não gosto de sorrir.


- O de sempre senhor?- Pergunta ela.

Aceno com a cabeça afirmando e dou um pequeno sorriso. Que imbecil! Venho aqui todos os dias no mesmo horário há cinco anos. Sempre peço a mesma coisa. Por que hoje, justamente hoje, eu iria mudar? Me traz logo o que costumo comer e pronto, não precisa perguntar sua...Ah!

Abro o jornal enquanto espero. Tragédias, impostos, tragédias, futebol, tragédias, celebridades, tragédias...

Ela vem, com aquela cara de peru de natal.

- Seu Capuchinno, seu pão com queijo e seu suco de laranja senhor!

Dou um singelo sorriso. Idiota! Eu sei o que tem na bandeja, não precisa falar. Daqui a pouco ela vai querer me dar detalhes de tudo. Essas pessoas são assim, se você fala um “a” elas já saem falando desembestadas. Faço minha refeição matinal tranqüilo e calado, como sempre. Não gosto de tomar café em casa. Nunca gostei! Prefiro tomar café no Café, apesar de também não gostar das pessoas do Café. Mas enfim. Gosto do café do Café.

Sou o quarto da fila do caixa. A senhora gorda que é a primeira resolveu pagar com moedas, que certamente ela guarda desde a década de 40. Maldita. Se eu pudesse enfiava moeda por moeda pela goela dela e, as que não coubessem enfiava pelo...

- Voçê viu a goleada que o Flamengo deu ontem no Cruzeiro?

A voz é de um velho com cara de pão de duas semanas atrás. Aceno com a cabeça, negativamente e viro para a frente.

- Você não gosta de futebol?- Insiste ele.

- Eu não queria falar com ninguém hoje seu velho desgraçado. Por que o senhor não vai lustrar seu caixão ao invés de ficar perguntado coisas bestas para pessoas que você não conhece só para puxar conversa? – Pensei eu. Ao invés de dizer o que pensava, sorri e disse um sacrificante – Não!

Chega a minha vez de pagar a conta.

- São R$ 12,00 senhor. - diz a caixa, feia.

Eu sei que são R$ 12,00 sua mula. Como aqui todos os dias sempre a mesma coisa e sempre pago para você a mesma quantia! Respiro fundo e dou um pequeno sorriso. Pago meus R$ 12,00, coloco meu óculos e saio. Ah, se ela soubesse que desejo a morte a ela. Desejo que ela seja empalhada viva com aquele sorriso falso de “ eu não quero sorrir mas devo fazer isso senão perco meu emprego”.

Faço um percurso insuportável até chegar ao meu carro.

Passo pelo senhor das frutas que me pergunta todos os dias se quero frutas e eu penso: - Não! Eu não quero frutas ,velho dos infernos! Se eu quisesse eu comprava!

Passo pela moça das flores que me pergunta todos os dias se eu quero flores e penso: - Não! Só se for para colocar no seu caixão sua feia!

Passo também pelo vendedor de jornais que, mesmo vendo que já estou com o jornal nas mãos me pergunta se quero comprar jornal. Meu pensamento: - Não! Não! Não!

Claro que ao invés disso, dou apenas um pequeno sorriso e aceno negativamente com a cabeça para todos.

Ao chegar ao carro, o flanelinha.

- Aê. Guardei seu carro como guardo minha vida. Sabe como é. Cliente bom a gente tem que agradar. – diz ele.

O que eu pensei? - Meu filho. A sua vida perto do meu carro não vale nem a manutenção dele. Olha só para você. Vai tomar um banho e tentar nascer de novo para ver se volta bonito.

O que eu fiz? Dei um pequeno sorriso, paguei os dois reais de sempre, entrei no carro e sai em disparada para o trabalho. Ah, finalmente sozinho. Daqui para o trabalho são quarenta e cinco minutos só. Sem precisar sorrir nem falar nem acenar a cabeça para ninguém.

Agora me veio um questionamento na cabeça. Por que será que essas pessoas ainda insistem em me perguntar as mesmas coisas todos os dias? Por que sorriem para mim todos os dias? Eu sou tão... antipático. Faço um pequeno esforço para não ser tanto, por isso dou o pequeno sorriso. Será que para essas pessoas esse pequeno sorriso vale como um grande sorriso e por isso elas continuam a sorrir para mim? Será? Então... vou parar de sorrir para elas.

O problema, é que eu me acostumei a sorrir para elas e desejar que morram. E elas, se acostumaram a sorrir para mim achando que gosto delas.

Bem, então vamos deixar as coisas como estão. Eu finjo que sou simpática e elas fingem que acreditam.




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