quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Aqui Jaz.


AQUI JAZ.
No dia que resolvi morrer, recebi um ramalhete de flores vermelhas com um bilhete escrito: te amo!
É assim, todos os dias no mesmo horário.
Ao receber as rosas e ler o bilhete, lembro sempre como é bom ser amada, como é bom ser lembrada.
Neste dia, entre um gole e outro de vinho tinto, despetalei rosa por rosa, fazendo um caminho que ia da sala até o meu quarto. Na minha cama forrada com uma linda colcha branca, pétalas pareciam um lago de sangue. Rosas de hoje com rosas de ontem e de todos os dias, se misturavam á pedaços de cartas e fotografias.
Resolvi que já era hora de chegar a um ponto final.
Calmamente me despi e coloquei aquela camisola branca, que comprei para a nossa primeira noite. Disco  tocando na radiola velha, incensos de rosas perfumando o ambiente. Estava tudo pronto.
Soltei os cabelos e deitei-me na cama na posição de uma verdadeira defunta. Amanhã, quando me encontrarem morta, me encontrarão bela, como nunca fui...
Mais dez minutos e o veneno colocado no vinho faria efeito. E então, enquanto espero, imagens começam a surgir diante de mim, como num telão.
Sempre sonhei com um amor, como aquele dos contos de fada. Minha vida, até então vazia, começou a ter sentido após aquela ida ao parque. O dia em que te conheci.
Você sempre tímido, com o olhar vazio, perdido, sentado num banco, e eu ali, sempre de longe, observando.
Como era bom te observar. Como era bom saber que você estava ali.
Como sempre fui uma pessoa desencorajada, nunca consegui me aproximar. Mas decide: a partir de então, você seria meu marido. Mesmo que você não soubesse. E então, eu te observei até o dia que você deixou de ir. Mesmo assim, eu te via sempre ali, do jeito que está aqui, na minha memória.
Começo a sentir as primeiras pontadas no peito. O veneno faz efeito. Um misto de alegria e confusão começa a tomar conta de mim...
Agora que morrerei, quem me mandará flores? Quem me escreverá bilhetes? Quem me mandará cartas?
Como é difícil olhar fotografias vazias, onde eu, como total e completa protagonista, apareço sempre triste por detrás da câmera.
Quem irá me encontrar aqui, morta nesta cama, se ninguém me procura? Quem irá no meu enterro se ninguém me conhece? Quem me mandará uma linda coroa de flores? Quem?
Quem irá escrever na minha lápide o seguinte epitáfio: Aqui jaz, uma mulher que poderia ter nascido sem nome. Que viu a vida passar através de uma fresta, numa casa trancada e sem iluminação chamada alma.Aqui, no seu lugar de direito, pondo em prática dormindo aquilo que sempre fez acordada: nada! Aqui jaz.


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